segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Brasil : O mais controverso item da pseudo reforma política aprovada na Câmara dos Deputados – a constitucionalização das doações de empresas a partidos políticos

Na quarta-feira da semana passada, dia 12 de agosto, os deputados decidiram o último item que faltava para concluir a votação, em segundo turno na Câmara, da Proposta de Emenda à Constituição que altera aspectos do direito político e eleitoral postos na Carta, a chamada PEC da reforma política.
Esse último item votado agora era justamente o mais controverso, porque constava da inclusão, na Constituição, de permissão para o financiamento empresarial dos partidos políticos.
O texto-base da PEC da reforma política havia sido aprovado em segundo turno no dia 7 de julho, antes do recesso parlamentar. Essa votação foi feita em bloco, e não ponto a ponto, como no primeiro turno. Entre as alterações aprovadas em bloco figurava a constitucionalização da permissão para doações feitas por empresas a partidos.
Assim, a PEC insere um § 5º no art. 17 da Constituição, estabelecendo que “É permitido aos partidos políticos receber doações de recursos financeiros ou de bens estimáveis em dinheiro de pessoas físicas ou jurídicas” ; já o §6º permite aos candidatos receber doações de pessoas físicas, apenas.
O Regimento Interno da Câmara dos Deputados prevê a possibilidade de fracionamento de uma votação, o chamado destaque, para votação em separado de parte de proposição (art. 161). Em julho, PT e PPS requereram destaque para votação em separado da expressão “pessoas jurídicas”, pretendendo excluí-la do § 5º e com isso limitar as doações privadas apenas às feitas por pessoas físicas.
 Mas os líderes do DEM e do PMDB apresentaram questão de ordem ao presidente da Câmara, questionando o destaque. Para eles, o destaque não poderia excluir apenas a expressão “pessoa jurídica”, mas sim todo o parágrafo. Eles argumentaram que a exclusão dessa expressão inverteria o sentido de todo o dispositivo, permitindo somente doação de pessoa física, tese que já havia sido derrubada pela Casa.
O presidente da Câmara acatou a questão de ordem e indeferiu o requerimento para votação do destaque. Assim, o artigo todo foi votado novamente em 12 agosto, e não somente a parte pretendida pelos partidos contrários ao financiamento empresarial de campanhas.
No dia 12 de agosto, os deputados aprovaram a proposta de incluir na Constituição, por 317 votos a favor, 162 contra e uma abstenção, a permissão para o financiamento de partidos políticos feito por empresas. Como visto, a emenda prevê que os candidatos, por sua vez, só recebam recursos de pessoas físicas.
Na verdade, como se sabe, partidos e candidatos têm permissão legal para receber recursos de empresas desde 1993. Antes disso, a antiga Lei Orgânica dos Partidos Políticos, de 1965 (Lei nº 4.740/65), havia proibido expressamente esse tipo de doação (art. 56, IV), proibição que foi mantida pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos, de 1971 (Lei nº 5.682/71, art. 91, IV).
Essa proibição vigorou até 1993. Durante a CPI que apurou o escândalo que levou ao impeachment de Collor, falou-se que a proibição era “hipócrita” e estava na origem da corrupção. Por isso, desde a edição da Lei nº 8.713, de 1993, que estabeleceu normas para as eleições de 1994, esse tipo de doação vem sendo permitida (art. 38, III).
A vigente Lei dos Partidos Políticos, de 1995 (Lei nº 9.096/95), e a Lei das Eleições, de 1997 (Lei nº 9.504/97, que tornou permanente a disciplina das eleições, substituindo as leis anuais) mantiveram a permissão.
Mas essa permissão era decorrente dessas leis ordinárias, e não da Constituição. A Constituição, muito pelo contrário, consagra o princípio da proteção da normalidade e da legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico (art. 14, § 9º).
Por isso, a constitucionalidade dos dispositivos de lei que permitem essa forma de financiamento partidário e eleitoral foi questionada pela OAB perante o STF. Em 5 de setembro de 2011, o Conselho Federal da OAB ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650, sustentando que os principais pilares sobre os quais se assenta a atual disciplina do financiamento eleitoral afrontam a Constituição.
Os dispositivos impugnados da Lei das Eleições e da Lei dos Partidos Políticos são os que admitem as doações de pessoas jurídicas para candidatos, partidos e para o Fundo Partidário, os que fixam o limite das doações de pessoas físicas em porcentagem da renda auferida pelo doador no ano anterior ao ano da eleição, e os que não fixam limites para o uso de recursos próprios do candidato.
 O julgamento teve início em 12 de dezembro de 2013, quando os primeiros quatro votos favoráveis à tese da inconstitucionalidade foram proferidos, pelos Ministros Luiz Fux (relator), Joaquim Barbosa, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Na ocasião, o Min. Teori Zawascki, recém empossado na Corte, pediu vista dos autos. Em 2 de abril de 2014, o julgamento foi retomado, e o Min. Zawascki julgou improcedente a tese da OAB. Nesse momento, o Min. Gilmar Mendes pediu vista dos autos, alegando não ter informações suficientes para formar sua convicção. Mas outros dois Ministros, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, decidiram antecipar seus votos, julgando procedente o pedido, e com isso formando a maioria, isto é, seis dos 11 ministros da Corte. A seguir, o julgamento foi suspenso.
E suspenso permanece até hoje, na expectativa ao que parece alimentada pelo Min. Gilmar Mendes de que o Congresso aprove a inclusão na Constituição da permissão para doações empresariais, o que faria com que o julgamento no STF perdesse o objeto.
Mas, se essa emenda esdrúxula for mesmo aprovada, será claramente inconstitucional.
Nas palavras de Cláudio Pereira de Souza Neto, em artigo reproduzido aqui no blog, Na ADI n. 4650, a OAB impugnou o financiamento empresarial das campanhas eleitorais por entender que violava, dentre outras normas constitucionais, o princípio democrático e o princípio da igualdade. As duas normas são cláusulas pétreas, não podendo ser violadas tampouco por meio de emendas constitucionais. As referidas normas limitam o constituinte derivado no exercício de seu poder de emendar a Constituição. No Supremo Tribunal Federal, já se formou maioria de 6 ministros para declarar a inconstitucionalidade das normas legais que instituem o financiamento empresarial. Os mesmos parâmetros constitucionais – em especial, o princípio democrático e o direito à igualdade – devem ser aplicados pela Corte para declarar a inconstitucionalidade de eventual emenda.”
A PEC agora segue para o Senado, onde será discutida e votada também em dois turnos, sendo necessários para sua aprovação os votos em ambos os turnos de três quintos dos senadores.

O que se espera do Senado é que rejeite essa proposta nociva aos interesses do povo brasileiro, contrária ao espírito e à letra da Constituição de 1988, e que pretende institucionalizar a influência e o abuso de poder econômico nas eleições.