quarta-feira, 1 de julho de 2015

Brasil : Doações para campanhas eleitorais (2) – Proposta de Emenda à Constituição – a votação em primeiro turno na Câmara dos Deputados

            Como a constitucionalidade das doações privadas para campanhas eleitorais foi questionada pela Ordem dos Advogados do Brasil perante o Supremo Tribunal Federal, processo em que já houve maioria de votos (6 X 1) pela procedência do pedido, mas cujo julgamento está suspenso por um prolongado pedido de vista do Min. Gilmar Mendes, a Câmara dos Deputados pretendeu incluir na própria Constituição dispositivo permitindo as doações empresariais para partidos políticos, para impedir o STF de julgá-las inconstitucionais.
            No dia 27 de maio, a Câmara aprovou em primeiro turno, por 330 votos a favor, 141 contra e uma abstenção, a Emenda Aglutinativa nº 28, que inclui três novos parágrafos no art. 17 da Constituição. O pretendido §5º estabelece que “É permitido aos partidos políticos receber doações de recursos financeiros ou de bens estimáveis em dinheiro de pessoas físicas ou jurídicas” ; já o §6º permite aos candidatos receber doações de pessoas físicas, apenas.
            Ocorre que tais previsões, que a Câmara dos Deputados pretendeu incluir no texto da Constituição, incorrem em dupla inconstitucionalidade, tanto formal quanto material, como já foi demonstrado aqui no blog.
            Do ponto de vista formal, o modo como se deu a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional nº 182/2007 na Câmara, com a aprovação de tal emenda aglutinativa, violou frontalmente o disposto no art. 60, § 5º da Constituição: a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”.
Isso porque a matéria havia sido objeto de deliberação no dia anterior – dia 26/05/15, terça-feira. Submetida ao Plenário da Câmara, não se formou maioria suficiente para aprovar alteração no texto constitucional. A deliberação do dia seguinte, dia 27/05/15, quarta-feira,  se deu a propósito da referida “emenda aglutinativa” apresentada às pressas, no próprio dia, pelo Deputado Russomano, dispondo igualmente sobre o financiamento empresarial.
Do ponto de vista material, a influência do poder econômico sobre a política é absolutamente incompatível com a Constituição Federal, em cujo cerne residem princípios como a república, a democracia e a igualdade. Se essa alteração da Constituição vier a ser aprovada, a desigualdade e a corrupção invadirão a esfera constitucional, e o preceito vigorará como um corpo estranho na Constituição Republicana e Democrática do Brasil.
Cientes desses fatos, 61 parlamentares de seis partidos impetraram Mandado de Segurança perante o STF, requerendo a interrupção imediata dessas violações, que antecipam um futuro sombrio para a atividade parlamentar no Brasil.
Ocorre que, como também noticiado aqui no blog, a ministra Rosa Weber, do STF, indeferiu o pedido de liminar no Mandado de Segurança nº 33630, impetrado pelos parlamentares. Em análise preliminar da questão, a relatora afastou a alegação de inconstitucionalidade por eles apresentada.
Além das inconstitucionalidades já amplamente demonstradas, é forçoso assinalar também que o pretendido § 5º do art. 17, tal como redigido na emenda aglutinativa, constitucionaliza um abominável vício até hoje admitido no direito eleitoral infra-constitucional : as chamadas doações ocultas. Ao permitir que os partidos, e somente eles (à exclusão dos candidatos) recebam doações de pessoas jurídicas, para depois repassá-las aos candidatos, o texto inclui na própria Constituição a ocultação da real origem das doações. Isso porque as doações empresariais, quando destinadas a determinado candidato, serão todas misturadas no caixa do partido, que as repassará, no todo ou em parte, aos candidatos, de modo a figurar o partido, e não a empresa doadora, na prestação de contas do candidato. Isso dificulta a identificação, pela opinião pública, dos reais interesses por trás de cada candidatura.
Até o momento, essa PEC foi votada apenas em primeiro turno na Câmara dos Deputados. Passado o interstício regimental de cinco sessões (art. 202, § 6º do Regimento Interno), deverá ser discutida e votada em segundo turno na própria Câmara dos Deputados, e seguirá para o Senado, onde também será discutida e votada em dois turnos. Nas votações nas duas Casas a Constituição exige, para a PEC ser considerada aprovada, a obtenção de três quintos dos votos dos respectivos membros (art. 60, § 2º).

Oxalá essa rigidez constitucional, que torna mais difícil aprovar uma emenda à Constituição do que uma lei infra-constitucional, assegure que os nossos congressistas tenham a ocasião de refletir calmamente sobre toda essa matéria, e atentem para o melhor rumo a seguir, em defesa da Constituição e do interesse público.