segunda-feira, 11 de maio de 2015

Brasil : Pela plena aplicação da Lei da Ficha Limpa aos condenados por abuso de poder

         O MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), rede de organizações da sociedade civil brasileira que liderou a gigantesca mobilização popular havida em favor da edição da Lei da Ficha Limpa, vem a público uma vez mais defender a aplicação plena, integral e efetiva dessa Lei de grande importância para a legitimidade do processo democrático em nosso País.
            Sempre afirmamos, e o Supremo Tribunal Federal admitiu essa tese desde os primeiros julgados a respeito em 1990, que as inelegibilidades não têm natureza jurídica de pena, mas de condição. Mesmo na hipótese dos condenados por abuso de poder, a sanção a que estão submetidos é a de cassação do diploma eventualmente obtido, sujeitando-se por força da lei, não da condenação, a inelegibilidade por certo tempo.
            Ao proferir a sentença, o juiz apenas declara o que ocorre por força de lei: a inelegibilidade daí decorrente. Por isso, ao sobrevir lei que modifique o período de inelegibilidade, esse novo lapso temporal passa a ser aplicado, já que está alterada a condição a ser observada no momento do registro da candidatura. 
            Se inelegibilidade decorrente da condenação  por um crime em âmbito colegiado pode ser ampliada por lei posterior, o mesmo ocorre com os condenados por abuso de poder nas eleições, não havendo razão para dar tratamento jurídico distinto a situações que, sob a égide da Lei de Inelegibilidades, possuem a mesma natureza. 
            O tema reveste-se da maior urgência e relevância, tendo em vista a existência de decisões proferidas recentemente no sentido de que os políticos que cumpriram o prazo anterior de inelegibilidade, de três anos, devem ter a elegibilidade restaurada antes mesmo do cumprimento do novo prazo, de oito anos.
            Nunca é demais lembrar que a questão foi tratada de modo aprofundado pelo próprio STF, quando decidiu, em 2012, pela constitucionalidade da Lei. De fato, no julgamento da ADI nº 4.578 e das ADCs nºs 29 e 30, o relator, Min. Luiz Fux, invocou a lição de J. J. Gomes Canotilho, que distingue a retroatividade autêntica, na qual a norma possui eficácia ex tunc, gerando efeitos sobre situações pretéritas, e a retroatividade inautêntica ou retrospectividade, na qual a norma atribui efeitos futuros a situações ou relações já existentes. Apenas a retroatividade autêntica seria vedada pela Constituição.
        Em decisões posteriores, o STF consolidou o entendimento de que o agravamento do regime jurídico eleitoral, com imposição do novo prazo de inelegibilidade a políticos que já haviam cumprido o prazo anterior, não constitui afronta ao princípio da irretroatividade das leis.
            Desse modo, afigura-se ilegítima a expectativa de candidatura do indivíduo enquadrado nas hipóteses legais de inelegibilidade. Isso porque não se pode invocar direito adquirido ao regime de inelegibilidades, nem autoridade da coisa julgada, eis que as condições de elegibilidade, assim como as causas de inelegibilidade, devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro de candidatura, momento esse posterior à entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa.
            Além de ilegítima, referida expectativa afronta a exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato, considerando a existência de condenação proferida por órgão colegiado, motivada pela prática de condutas da maior reprovabilidade social.
            O que importa ressaltar, nesse passo, é que não há arbitrariedade nas causas nem no prazo de inelegibilidade previsto pela Lei das Inelegibilidades, com redação dada pela Lei da Ficha Limpa. No que se refere especificamente ao prazo, ao longo dos vinte primeiros anos de vigência da LC 64/90, a consciência jurídica nacional aos poucos foi se abrindo para a realidade de que o anterior prazo de inelegibilidade, de apenas três anos, era excessivamente curto e não atendia à exigência constitucional de proteção da moralidade para o exercício do mandato. 
      Sendo assim, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade estão plenamente atendidos pela Lei da Ficha Limpa. O sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus público.
       Se a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma o direito de acesso aos cargos e funções públicas, o faz claramente para evitar a perseguição de opositores do governo, ou a imposição de condições de elegibilidade que repugnam à consciência jurídica, como o auferimento de determinada renda ou o pertencimento a classe social ou casta, critérios que evidentemente nada têm a ver com o anseio de moralidade contido na Lei da Ficha Limpa.
            O que se espera do Supremo Tribunal Federal, e aí fazemos um apelo especial ao seu Presidente o Ministro Ricardo Lewandowiscki e aos demais Ministros, é que cumpra dignamente sua missão de guardião da Constituição, e não retroceda nas conquistas da cidadania no sentido do aperfeiçoamento do nosso processo democrático.