terça-feira, 10 de março de 2015

EUA : A celebração dos 50 anos do “domingo sangrento” e da promulgação da Lei dos Direitos de Voto

          A longa luta pela universalização do direito de voto nos EUA teve nos desdobramentos dos eventos em Selma, no Estado do Alabama, há exatos cinquenta anos, seu impulso mais significativo.
             O dia 7 de março de 1965 ficou marcado pela violenta repressão policial à marcha pacífica em favor dos direitos civis, marcha essa que passou pela ponte Edmund Pettus. A repressão brutal da passeata, com cassetetes e gás lacrimogêneo, foi exibida ao vivo pela TV, comoveu a população dos Estados Unidos e marcou a história da democracia americana.
            Até o início dos anos 1960, ainda vigoravam em diversos Estados norte-americanos mecanismos de exclusão eleitoral da população afro-descendente. Esses mecanismos consistiam não apenas em regras jurídicas discriminatórias, mas também em práticas violentas e de retaliação econômica, que bloqueavam os avanços. Na cidade de Selma, em especial, dos 15 mil habitantes, apenas 300 tinham direito de voto.
            Duas semanas depois dos eventos em Selma, milhares de pessoas, lideradas pelo pastor Martin Luther King, saíram novamente de Selma, para seguir até Montgomery, a 90 Km de distância, onde chegaram em um longo cortejo, após vários dias de uma marcha também histórica.
            Nesse momento, em dramática mensagem ao Congresso, o presidente Lyndon Johnson repetiu o slogan do movimento pelos direitos civis, We shall overcome, para pedir leis mais drásticas em matéria de direito de voto.
            Em agosto de 1965, o presidente Johnson sancionou o Voting Rights Act.
           As medidas mais inovadoras estavam contidas nas seções 4 a 9, previstas para vigorar apenas por 5 anos e aplicáveis apenas aos Estados que impusessem condições discriminatórias para alistamento eleitoral e voto e nos quais menos da metade da população em idade de votar tivesse votado na eleição presidencial de 1964. Na prática, os Estados visados eram Alabama, Geórgia, Louisiana, Mississipi, Carolina do Sul, Virgínia e Carolina do Norte.
        A seção 4 da Lei proibia os testes de leitura e escrita e outras medidas discriminatórias. As seções 6 a 8 autorizavam o governo federal, em determinadas circunstâncias, a nomear observadores para assegurar que a administração do processo eleitoral não fosse discriminatória. Para impedir a adoção de novas medidas discriminatórias, quaisquer mudanças na legislação relativa aos critérios para se alistar como eleitor tinham de ser submetidas à aprovação de autoridades federais.
            Quando o prazo de vigência das medidas temporárias chegou ao fim, elas não só foram renovadas, mas reforçadas e ampliadas. Em 1975, os testes de leitura e escrita foram definitivamente banidos em todo o país, e as demandas judiciais com base na Lei foram facilitadas por novas medidas em favor do demandante.
            Porém, em 2013, a Suprema Corte considerou que o país havia mudado e que a aprovação de autoridades federais para mudanças na lei eleitoral não era mais necessária. Ato contínuo, diversos Estados, do Sul em especial, passaram a editar leis restringindo o direito de voto por meio de exigências de documentação oficial com foto para identificação do eleitor, medida que atinge mais duramente as minorias raciais.

            Nas celebrações dos 50 anos do “domingo sangrento”, o presidente Barack Obama discursou declarando que “o racismo ainda lança sua longa sombra sobre nós”.
Do belo discurso, que ocorreu simbolicamente na ponte Edmund Pettus de Selma, vale reproduzir o trecho mais significativo em matéria de direito eleitoral :
E com esforço, nós podemos proteger a pedra fundamental da nossa democracia para a qual tantos marcharam por sobre esta ponte – esta é o direito de voto.  Agora mesmo, em 2015, cinquenta anos depois de Selma, há leis por todo este país concebidas para restringir o direito de voto. Enquanto falamos, mais leis dessas estão sendo propostas. Ao mesmo tempo, a Lei dos Direitos de Voto, na qual culminou tanto sangue, suor e lágrimas, o produto de tanto sacrifício diante de violência deliberada, segue enfraquecida, seu futuro sujeito a rancor partidário.
Como é que pode ? A Lei dos Direitos de Voto foi uma das conquistas que coroam a nossa democracia, o resultado de esforço Republicano e Democrático. O presidente Reagan sancionou sua renovação durante seu mandato. O presidente Bush sancionou sua renovação durante seu mandato. Cem membros do Congresso estão aqui hoje para honrar as pessoas que estavam dispostas a morrer pelo direito que ela protege. Se nós quisermos honrar este dia, deixemos esses cem voltarem a Washington, e reunirem quatrocentos ou mais, e juntos, assumam o compromisso de fazer sua a missão de restaurar essa lei este ano.

É claro, nossa democracia não é tarefa do Congresso apenas, nem nos tribunais apenas, nem do presidente apenas. Se cada nova lei de supressão de direito de voto for derrubada hoje, nós teremos ainda uma das menores taxas de comparecimento às urnas entre os povos livres. Cinquenta anos atrás, o alistamento eleitoral aqui em Selma e em grande parte do Sul significava ter que adivinhar o número de balas de goma num jarro ou de bolhas numa barra de sabão. Significava por em risco sua dignidade, e às vezes, a sua vida. Qual é a nossa desculpa hoje para não votar ? Como podemos descartar com tanta indiferença o direito pelo qual tantos lutaram ? Como podemos desperdiçar tão completamente nosso poder, nossa voz, na criação do futuro da América ?