terça-feira, 7 de outubro de 2014

Brasil : Máximo Dois Mandatos – M2M

          No Brasil, os parlamentares só devem poder se candidatar uma vez mais ao mesmo cargo, na mesma Casa Legislativa. Em outras palavras, só devem poder exercer no máximo dois mandatos consecutivos. Essa proposta, batizada por seus idealizadores de M2M, começa a ganhar força. O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral Estadual São Paulo (MCCE/SP) manifestou o seu apoio.
            Quanto ao Poder Executivo, os constituintes de 1988 tinham plena consciência de que a possibilidade de reeleição é potencialmente nociva à democracia. Os riscos de abuso do poder político pelo chamado “uso da máquina” já eram então bem conhecidos. Por isso, o texto original da Carta Política de 1988 vedava a reeleição de presidente, governadores e prefeitos. Em 1997, uma emenda à Constituição admitiu a reeleição para esses cargos, para mais um mandato consecutivo.
            Porém até hoje nunca se cogitou da limitação da possibilidade de reeleição também dos parlamentares. É chegada a hora de estender o limite à reeleição também aos membros do Poder Legislativo : senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores.
            As razões para isso são graves e prementes.
            Nossa mentalidade e nossas tradições políticas favorecem a exacerbação do personalismo. Nosso arcabouço institucional tende a concentrar poder nas mãos do chefe do Poder Executivo. Porém nas democracias é o Poder Legislativo, formado por órgãos colegiados, que representa ou deveria representar o povo. No Senado, na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas, nas Câmaras Municipais, o povo em sua exuberante diversidade de ideias deveria estar fielmente representado.
Todos sabemos que no Brasil de hoje não é isso que acontece. A chamada “síndrome da reeleição” torna os parlamentares escravos dos interesses dos grandes financiadores de campanha, em detrimento do dever constitucional de promover o bem comum.
A perspectiva de se perpetuar no poder tem feito com que o exercício de mandato parlamentar deixe de ser uma elevada missão e passe a ser um reles modo de ganhar a própria vida, sem a menor vinculação com a defesa do interesse público.
Esse total desvirtuamento chegou atualmente ao paroxismo, com a prática tornada habitual de vender as decisões políticas que lhes incumbem por força do cargo. São decisões fundamentais, que vão afetar a vida dos brasileiros sob a forma de leis. E o perigo está no fato de que essas leis assim elaboradas, em que pese sua fonte espúria, gozam também da presunção de constitucionalidade.
Não é de hoje que reina a impressão generalizada de que o Poder Legislativo não tem cumprido o seu papel de representar fielmente o povo e de fiscalizar sem trégua a atuação do Poder Executivo. O que se verifica é que na raiz desse enfraquecimento institucional do Poder Legislativo e dessa desqualificação ética e política dos parlamentares está a possibilidade ilimitada de reeleição.
Máximo dois mandatos. Trata-se de uma proposta simples, clara, concreta, e dotada de efetivo potencial saneador dos nossos costumes políticos.
Há precedentes em outros países.
No México, a Constituição estabelece que deputados e senadores não podem ser eleitos para o período imediato (art. 59). Os mandatos duram três e seis anos, respectivamente (arts. 51 e 52).
Do mesmo modo, na Costa Rica a Constituição determina que os deputados não podem ser reeleitos de forma sucessiva (art. 107). O mandato é de quatro anos.
Nos Estados Unidos, em pelo menos sete Estados a possibilidade de reeleição de parlamentares estaduais é limitada pelas respectivas Constituições estaduais. No mais populoso e desenvolvido Estado norte-americano, a Califórnia, senadores estaduais só podem exercer dois mandatos (de quatro anos), consecutivos ou não. Deputados estaduais só podem exercer três mandatos (de dois anos), consecutivos ou não (Constituição estadual, artigo 4, seção 2 (a)).
Na Flórida, senadores e deputados estaduais não podem ser eleitos para ocupar o cargo por mais de oito anos consecutivos, mesmo que não venham a cumprir o mandato todo (artigo VI, seção 4, (b)). O mandato é de quatro anos para os senadores estaduais e de dois anos para os deputados estaduais (artigo III, seção 15 (a) e (b)).
            Em Ohio, senadores estaduais podem exercer dois mandatos sucessivos (de quatro anos). Deputados estaduais podem exercer quatro mandatos sucessivos (de dois anos). Os mandatos são considerados sucessivos se não houver um intervalo de pelo menos quatro anos. O tempo passado no cargo no lugar da pessoa eleita não afasta o direito de se candidatar para o mesmo cargo se quatro anos tiverem se passado entre esse período e o momento da eleição; considera-se que quem é eleito e renuncia antes do fim do mandato cumpriu o mandato inteiro para fins de reeleição (artigo 2, § 02).
            Na Louisiana, quem exerceu o cargo de senador ou deputado estadual por mais de dois mandatos e meio no decorrer de três mandatos consecutivos não pode se candidatar ao mandato seguinte (artigo III, seção 4 (E)). O mandato é de quatro anos nos dois cargos (artigo III, seção 4 (C)). Podem voltar a se candidatar depois de um mandato de intervalo.
            Em Oklahoma, os legisladores estaduais não podem servir mais de doze anos, consecutivos ou não. Os anos servidos no Senado e na Assembléia Legislativa devem ser somados. Os anos servidos pelo suplente durante menos de um mandato inteiro no lugar do legislador eleito não devem ser somados. Mas quem já completou os doze anos não pode ser eleito nem mesmo como suplente (artigo V, seção 17 (A)). O mandato dos senadores estaduais é de quatro anos e o dos deputados estaduais, de dois anos (artigo V, seções 9A e 10A).  
            Em Nevada, senadores e deputados estaduais que serviram por doze anos ou mais não podem se candidatar ao mesmo cargo (artigo 4, seção 4, parágrafo 2 e artigo 3, parágrafo 2). O mandato dos senadores estaduais é de quatro anos e o dos deputados estaduais, de dois anos (artigo 4, seção 3, parágrafo 1 e 4, parágrafo 1).
Em Montana, senadores e deputados estaduais que tiverem ocupado o cargo por oito anos ou mais em um período de dezesseis anos não podem se candidatar de novo ao mesmo cargo (artigo IV, seção 8 (1) (b) e (c)). O mandato dos senadores estaduais é de quatro anos e o dos deputados estaduais, de dois anos (artigo V, seção 3).
            Dito isso, é importante fazer a ressalva de que nos três países citados o sistema eleitoral para a escolha de parlamentares é diferente do que vigora no Brasil. No México, o sistema é em parte majoritário e em parte proporcional, que nós chamamos de sistema distrital misto. Na Costa Rica e nos Estados Unidos, o sistema é totalmente majoritário (distrital puro). No Brasil, como se sabe, o sistema é proporcional. Essa diferença tem importantes repercussões na representatividade dos parlamentares, tema que foge todavia aos estreitos limites desta apresentação da proposta M2M.
Seja como for, vê-se que não se trata de uma restrição inexistente nas normas que regem a composição dos parlamentos ao redor do mundo. Certamente há de haver outros exemplos, é uma pesquisa que precisa ser ampliada.
Observa-se também que há diversas fórmulas jurídicas possíveis para a limitação da reeleição dos parlamentares. A presente proposta veda unicamente o direito a nova candidatura à mesma Casa Legislativa depois de terem sido exercidos dois mandatos consecutivos. Isso significa que havendo um mandato de intervalo, a pessoa deve poder voltar a se candidatar até mesmo ao cargo que já exerceu, na mesma Casa Legislativa. Além disso, se o parlamentar que já cumpriu dois mandatos consecutivos quiser em seguida se candidatar a um cargo em outra Casa Legislativa – por exemplo, passar de deputado estadual a deputado federal, ou de deputado federal a senador – não haverá impedimento.

No Brasil, para que a limitação a dois mandatos consecutivos se estenda aos parlamentares, é preciso emendar a Constituição Federal. Enquanto a própria Constituição não admitir a iniciativa popular de propostas de emendas constitucionais, será preciso contar com o que reste de sensibilidade e espírito público na alma dos nossos congressistas. Serão eles impulsionados também pelo amplo apoio popular que essa proposta certamente vai angariar, como ocorreu com a Lei da Compra de Votos e a Lei da Ficha Limpa.