No
Brasil, os parlamentares só devem poder se candidatar uma vez mais ao mesmo
cargo, na mesma Casa Legislativa. Em outras palavras, só devem poder exercer no
máximo dois mandatos consecutivos. Essa proposta, batizada por seus
idealizadores de M2M, começa a ganhar força. O Movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral Estadual São Paulo (MCCE/SP) manifestou o seu apoio.
Quanto ao Poder Executivo, os
constituintes de 1988 tinham plena consciência de que a possibilidade de
reeleição é potencialmente nociva à democracia. Os riscos de abuso do poder
político pelo chamado “uso da máquina” já eram então bem conhecidos. Por isso,
o texto original da Carta Política de 1988 vedava a reeleição de presidente,
governadores e prefeitos. Em 1997, uma emenda à Constituição admitiu a
reeleição para esses cargos, para mais um mandato consecutivo.
Porém até hoje nunca se cogitou da
limitação da possibilidade de reeleição também dos parlamentares. É chegada a
hora de estender o limite à reeleição também aos membros do Poder Legislativo :
senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores.
As razões para isso são graves e
prementes.
Nossa mentalidade e nossas tradições
políticas favorecem a exacerbação do personalismo. Nosso arcabouço
institucional tende a concentrar poder nas mãos do chefe do Poder Executivo.
Porém nas democracias é o Poder Legislativo, formado por órgãos colegiados, que
representa ou deveria representar o povo. No Senado, na Câmara dos Deputados,
nas Assembleias Legislativas, nas Câmaras Municipais, o povo em sua exuberante
diversidade de ideias deveria estar fielmente representado.
Todos
sabemos que no Brasil de hoje não é isso que acontece. A chamada “síndrome da
reeleição” torna os parlamentares escravos dos interesses dos grandes
financiadores de campanha, em detrimento do dever constitucional de promover o
bem comum.
A
perspectiva de se perpetuar no poder tem feito com que o exercício de mandato
parlamentar deixe de ser uma elevada missão e passe a ser um reles modo de
ganhar a própria vida, sem a menor vinculação com a defesa do interesse
público.
Esse
total desvirtuamento chegou atualmente ao paroxismo, com a prática tornada
habitual de vender as decisões políticas que lhes incumbem por força do cargo.
São decisões fundamentais, que vão afetar a vida dos brasileiros sob a forma de
leis. E o perigo está no fato de que essas leis assim elaboradas, em que pese
sua fonte espúria, gozam também da presunção de constitucionalidade.
Não
é de hoje que reina a impressão generalizada de que o Poder Legislativo não tem
cumprido o seu papel de representar fielmente o povo e de fiscalizar sem trégua
a atuação do Poder Executivo. O que se verifica é que na raiz desse
enfraquecimento institucional do Poder Legislativo e dessa desqualificação
ética e política dos parlamentares está a possibilidade ilimitada de reeleição.
Máximo
dois mandatos. Trata-se de uma proposta simples, clara, concreta, e dotada de
efetivo potencial saneador dos nossos costumes políticos.
Há
precedentes em outros países.
No
México, a Constituição estabelece que deputados e senadores não podem ser
eleitos para o período imediato (art. 59). Os mandatos duram três e seis anos,
respectivamente (arts. 51 e 52).
Do
mesmo modo, na Costa Rica a Constituição determina que os deputados não podem
ser reeleitos de forma sucessiva (art. 107). O mandato é de quatro anos.
Nos
Estados Unidos, em pelo menos sete Estados a possibilidade de reeleição de
parlamentares estaduais é limitada pelas respectivas Constituições estaduais. No
mais populoso e desenvolvido Estado norte-americano, a Califórnia, senadores estaduais
só podem exercer dois mandatos (de quatro anos), consecutivos ou não. Deputados
estaduais só podem exercer três mandatos (de dois anos), consecutivos ou não
(Constituição estadual, artigo 4, seção 2 (a)).
Na
Flórida, senadores e deputados estaduais não podem ser eleitos para ocupar o
cargo por mais de oito anos consecutivos, mesmo que não venham a cumprir o
mandato todo (artigo VI, seção 4, (b)). O mandato é de quatro anos para os
senadores estaduais e de dois anos para os deputados estaduais (artigo III,
seção 15 (a) e (b)).
Em Ohio, senadores estaduais podem
exercer dois mandatos sucessivos (de quatro anos). Deputados estaduais podem
exercer quatro mandatos sucessivos (de dois anos). Os mandatos são considerados
sucessivos se não houver um intervalo de pelo menos quatro anos. O tempo
passado no cargo no lugar da pessoa eleita não afasta o direito de se
candidatar para o mesmo cargo se quatro anos tiverem se passado entre esse
período e o momento da eleição; considera-se que quem é eleito e renuncia antes
do fim do mandato cumpriu o mandato inteiro para fins de reeleição (artigo 2, § 02).
Na Louisiana, quem exerceu o cargo
de senador ou deputado estadual por mais de dois mandatos e meio no decorrer de
três mandatos consecutivos não pode se candidatar ao mandato seguinte (artigo
III, seção 4 (E)). O mandato é de quatro anos nos
dois cargos (artigo III, seção 4 (C)). Podem
voltar a se candidatar depois de um mandato de intervalo.
Em Oklahoma, os legisladores
estaduais não podem servir mais de doze anos, consecutivos ou não. Os anos
servidos no Senado e na Assembléia Legislativa devem
ser somados. Os anos servidos pelo suplente durante menos de um mandato inteiro no lugar do legislador eleito não
devem ser somados. Mas quem já completou os doze anos não pode ser eleito nem
mesmo como suplente (artigo V, seção 17 (A)). O mandato dos senadores estaduais
é de quatro anos e o dos deputados estaduais, de dois anos (artigo V, seções 9A
e 10A).
Em Nevada, senadores e deputados
estaduais que serviram por doze anos ou mais não
podem se candidatar ao mesmo cargo (artigo 4, seção 4, parágrafo 2 e artigo 3,
parágrafo 2). O mandato dos senadores estaduais é de quatro anos e o dos
deputados estaduais, de dois anos (artigo 4, seção 3, parágrafo 1 e 4,
parágrafo 1).
Em
Montana, senadores e deputados estaduais que tiverem ocupado o cargo por oito
anos ou mais em um período de dezesseis anos não podem se candidatar de novo ao
mesmo cargo (artigo IV, seção 8 (1) (b) e (c)). O mandato dos senadores
estaduais é de quatro anos e o dos deputados estaduais, de dois anos (artigo V,
seção 3).
Dito isso, é importante fazer a
ressalva de que nos três países citados o sistema eleitoral para a escolha de
parlamentares é diferente do que vigora no Brasil. No México, o sistema é em
parte majoritário e em parte proporcional, que nós chamamos de sistema distrital
misto. Na Costa Rica e nos Estados Unidos, o sistema é totalmente majoritário
(distrital puro). No Brasil, como se sabe, o sistema é proporcional. Essa
diferença tem importantes repercussões na representatividade dos parlamentares,
tema que foge todavia aos estreitos limites desta apresentação da proposta M2M.
Seja
como for, vê-se que não se trata de uma restrição inexistente nas normas que
regem a composição dos parlamentos ao redor do mundo. Certamente há de haver
outros exemplos, é uma pesquisa que precisa ser ampliada.
Observa-se
também que há diversas fórmulas jurídicas possíveis para a limitação da reeleição
dos parlamentares. A presente proposta veda unicamente o direito a nova
candidatura à mesma Casa Legislativa depois de terem sido exercidos dois
mandatos consecutivos. Isso significa que havendo um mandato de intervalo, a
pessoa deve poder voltar a se candidatar até mesmo ao cargo que já exerceu, na
mesma Casa Legislativa. Além disso, se o parlamentar que já cumpriu dois
mandatos consecutivos quiser em seguida se candidatar a um cargo em outra Casa
Legislativa – por exemplo, passar de deputado estadual a deputado federal, ou
de deputado federal a senador – não haverá impedimento.
No
Brasil, para que a limitação a dois mandatos consecutivos se estenda aos
parlamentares, é preciso emendar a Constituição Federal. Enquanto a própria
Constituição não admitir a iniciativa popular de propostas de emendas
constitucionais, será preciso contar com o que reste de sensibilidade e
espírito público na alma dos nossos congressistas. Serão eles impulsionados
também pelo amplo apoio popular que essa proposta certamente vai angariar, como
ocorreu com a Lei da Compra de Votos e a Lei da Ficha Limpa.