terça-feira, 30 de novembro de 2010

O teto das contribuições de campanha


Bem sabemos que a transposição sem o devido critério para o direito brasileiro de institutos jurídicos concebidos em outros países muitas vezes se revela desastrosa. Tanto mais em matéria de direito eleitoral, ramo que deita profundas raízes na cultura política de um povo.
Há no entanto um aspecto do financiamento eleitoral em que o conhecimento das soluções adotadas no exterior pode ser de grande utilidade.  Trata-se do teto das contribuições de campanha.
Nos EUA e na França o regime jurídico do financiamento eleitoral é todo ele construído tendo em vista o objetivo de impedir que agentes econômicos poderosos sejam favorecidos por políticas públicas implementadas pelos governantes que ajudaram a eleger, em detrimento do interesse público.
Um dos pontos fundamentais para a consecução desse objetivo é a limitação das contribuições de campanha. Tanto nos EUA quanto na França o financiamento das campanhas é misto - em parte público e em parte privado. Porém no financiamento privado a lei busca favorecer as pequenas contribuições do eleitor comum, e banir totalmente as grandes contribuições de agentes econômicos poderosos.
A primeira medida adotada é a vedação das contribuições de empresas. Nos EUA, bancos, empresas e sindicatos são proibidos de contribuir para campanhas eleitorais federais (de presidente, senador federal e deputado federal) seja por meio de doações em dinheiro, seja por meio de gastos independentes. Na França, toda e qualquer doação ou despesa de pessoa jurídica é estritamente proibida.
No Brasil, é o contrário que acontece: a Lei das Eleições não apenas admite que pessoas jurídicas contribuam, como prevê que quanto maior tiver sido o faturamento bruto no ano anterior, maior a contribuição possível. Diz o art. 81 que as doações de pessoas jurídicas ficam limitadas a 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição.
O mesmo ocorre nas contribuições de pessoas físicas. Nos EUA, país em que o hábito de contribuir para campanhas eleitorais é muito difundido, cada pessoa física tem o direito de doar no máximo US$ 2.000,00 por eleição para cada candidato federal, US$ 25.000,00 por ano para partidos políticos, US$ 5.000,00 por ano para Comitês de Ação Política, tudo limitado por um teto de US$ 95.000,00 em dois anos. É  verdade que os eleitores podem fazer livremente gastos independentes para influenciar a eleição, contanto que não sejam coordenados com a campanha, porque a Suprema Corte entendeu que o direito de fazer esses gastos decorre da liberdade de expressão.
Na França as contribuições militantes são tradicionalmente modestas. Cada pessoa física pode doar até 4.600 euros por eleição aos candidatos e até 7.500 euros por ano aos partidos políticos. Mas não podem fazer gastos independentes – as chamadas despesas in natura devem ser aprovadas pelo candidato e são limitadas como as contribuições.
No Brasil, não bastasse as disparidades de renda agravarem imensamente a distorção, porque um teto de contribuição igual para todos já implicaria desigualdade, a lei reforça isso prevendo que as doações das pessoas físicas ficam limitadas a 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição (art. 23, § 1º, I). Os mais ricos não apenas têm concretamente os meios de doar mais, como têm o direito de doar mais, o que é inaceitável.
Talvez a explicação seja a de que em razão exatamente das desigualdades, somadas ao alto custo das campanhas eleitorais, seja preciso buscar os recursos onde eles existem. Esse raciocínio implica admitir que a lei ajude a reforçar as desigualdades, o que contraria frontalmente o objetivo fundamental de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, bem como o princípio da proteção da legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico, consagrados na Constituição (art. 3º, III e art. 14, § 9º).
Para tanto, é urgente tomar medidas efetivas de diminuição dos custos das campanhas, banir as grandes contribuições de agentes econômicos poderosos, ampliar o financiamento público e dar transparência aos gastos.

Novo blog no ar

O ponto de partida deste blog é o meu livro "Direito Eleitoral Comparado - Brasil, Estados Unidos, França", publicado em 2009 pela Editora Saraiva. O livro resultou de uma pesquisa realizada sob os auspícios do IDPE (Instituto de Direito Político e Eleitoral). No blog vamos acompanhar, comentar e discutir a evolução desse ramo do direito nos três países.